Coisa errada

O dia não tem cor, não tem cinza nem azul. A tinta não saiu em letras, somente manchou a folha amassada. O café perdeu o sabor, ficou com cheiro de coisa antiga, ida, finda. As páginas do livro se colaram e ele, preso à estante. A música persistiu no pause. Corpo nu sem prazer; marcha longa sem destino; rosnado constante a amedrontar; o pinga pinga intermitente do chuveiro e o jasmim que não cresceu, murchou. O perfume pairou no ar, em promessa de quando for. O ponteiro parou, a hora morreu, a casa esvaziou. Alguém chamou, ninguém foi; dos lábios uma oração surgiu mas o céu se aquietou e o gemido foi soprado para longe, bem longe. A bolsa fechou, os poros se abriram, as úlceras se esconderam. De sangue, só o vermelho da língua muda. A chave não girou, a porta não bateu, o coração se espatifou no chão do banheiro. Nada se resolveu e ninguém escutou.

8 anos

Esse post é extremamente pessoal. Mas como não homenagear essa data e não falar dele, que é a minha base e que me permite criar as minhas asinhas e seguir com as mãos livres?

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Faça o favor de ficar. De não deixar tanta saudade ao partir. De trazer de volta um beijo molhado, a cada chegada. De olhar no olho e silenciar tudo ao redor. De desenraizar em mim o riso quando lágrimas de dor são expulsas. De não saber-se capaz junto a mim, para que germinemos juntos. De ter medo, tanto, mais ou menos do que eu, não importa a medida, pois ousaremos juntos quando a coragem irromper.

Faça o favor de fazer tudo isso igual, assim nós nos traduzimos em infinito. Assim, meus sonhos serão seus e permanecerei agarrando os seus como se houvessem nascido de mim. Assim, simples e perfeito, como o rosto de nossas duas estrelas, que nos sorriem, todos os dias.

Feliz 8 anos de casados, felizes lembranças, felizes planos e um eterno recomeço para nós. Muitos brindes como esse e que nosso amor continue transbordando da taça e dos abraços.

 

“E a chuva promete não deixar vestígio…”

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Danço nua, sem pestanejar. Pouco sei ou muito sei, quem se importa?
Meu olhar é de sombra, quero mais é vaguear.
Bruxa de alma, feitiçaria no corpo, com inquietação na mente.
Meu momento tem que ser agora.
Muito deixo para trás, muito me segue, muito me enrosco, muito me enrolo.
Dou a volta, volta e meia. Sigo em frente.
Porque meu coração não me permite congelar.
É a saudade que me chama.
É a saudade que me faz continuar a andejar.
Trabalho para o tudo, o pouco me é muito vazio.
O nada nunca irá me tocar.

Três necessidades

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Eu, que quase nem gosto de listas, enumerei hoje as três necessidades para os meus dias:

  • Preciso de quatro ponteiros no meu relógio, para criar controle sobre algum deles, unzinho só que seja, e assim, poderei me disfarçar de livre.

 

  • Preciso de uma hora a mais, umas duas, três tornaria tudo perfeito, para que minha alma vagueie solta pelo dia, sem desconsolo pelo princípio do porvir.

 

  • Preciso suspirar um pouco mais no decurso das horas, trazendo para mim aquela satisfação incomparável no finalzinho, de quem largou no chão alguma coisa que não interessa, pois já não me remete mais.

 

E você, qual é a sua lista?

 

A viagem

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Não sei qual é o destino que esse barco segue. Sei que ele é muito pequeno, e muitos dos navegantes não aguentam as contínuas tempestades e acabam desistindo da viagem, de tudo. Jogam-se ao mar, e quem fica torce para que encontrem seus caminhos. Quem fica, muitas vezes fica só. Segue as ondas, sorri para a lua, canta à saudade, chora por essa solidão. Espera pacientemente que o barco chegue a algum lugar e que esse lugar não seja uma terceira margem.

Inverno

"O inverno cobre minha cabeça, mas uma eterna primavera vive em meu coração." (Victor Hugo)

“O inverno cobre minha cabeça, mas uma eterna primavera vive em meu coração.”
(Victor Hugo)

Sala vazia:
um oculto desejo viajando calado
por entre corpos e soluços
que aguardam sua hora

Hora perdida:
palavras jogadas em rostos que não compreendem,
não vêem a solidão,
não sentem o caos.
E seguem mesmo sem querer entender.

Sol que se apaga,
apesar da canção que insiste em nascer.
Amores suicidas encontrados em becos:
somente contrastes
num inverno sem luz.

Imperativo

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Chora,
e inunda metade de teus abismos.
Mente,
como se tudo fosse descrença.
Invade
cada fortaleza dessa existência.
Salta
por telhas de fascinação.
Nega
teus suspiros de prazer.
Sopra
cada frase de outrora
para longe.

Vibra,
e bebe o drinque da vitória.
Suaviza
meus sonhos com o toque dos teus desejos.
Apedreja
as sobras dos meus enganos.
Penetra
nos caminhos estrelados que construí para ti.
Finge
que teu rosto é somente sorriso.
Adormece
com os lamentos das preces
para jamais acordar.

As armas

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“Há vitórias que exaltam, outras que corrompem; derrotas que matam, outras que despertam.” Antoine de Saint-Exupéry

Tínhamos um plano de nos virarmos pelo avesso
e a idéia de ser mais irradiava dentro de mim.
Mas você largou as armas e buscou sonhos confessos
e esqueceu que no combate não há tanto risco assim.

Sem armas, sem canções, encarou seus frágeis medos
e deixou-me atrás da porta a espreitar o seu delírio.
Seguiu desertos rumos e ignorou os meus apelos
na certeza de ser só com seu distante equilíbrio.

Preparou-se, então, para a luta contra seus vilões internos
e contemplou imagens vãs de um sucesso leviano.
Mas ao caçar os seus limites e encontrar os seus infernos,
perdeu-se nos seus sonhos, perdeu-se em reais enganos.

Agora resta a dúvida nas paixões que não preenchem
todo o triunfo garantido quando estava ao meu lado.
E o temor que alucina suas noites de suspiros
cala ainda o meu grito, evitando despertá-lo.